Voltar, fechar a porta, repetir o ritual. Olhar a janela, constatar o que é igual, repetir tudo de novo, voltar ao que não se quer sentir, mas escarafunchar e remexer, exorcizar, reiterar, perder tudo e ficar na mesma, e abominar a existência e perguntar se é possível continuar a aguentar tudo o que se prefere omitir, destruir os fantasmas na cabeça e criar outros, e suportar o chão que treme, os edifícios que se desfazem com gente dentro, os espelhos partidos e os cacos pelo ar, o chão que se abre e engole o trabalho de anos, e fechar os olhos e abrir de novo e tentar em vão criar jardins do éden em sítios cinzentos, e sair pela rua, e abrir os braços e sentir que a única coisa que vale a pena é sentir a chuva a cair em cima. E voltar ao que se acha que, afinal, ainda é o que se pode ter - aquilo que se cria. Lá em cima da estante estão guardadas as fotos dos momentos que nunca vão chegar, as palavras que se escreveram para a altura que afinal não passa de um sonho, os próprios sonhos que já arrumámos na gaveta, e a caixa onde outrora bateu um coração, agora um vazio ensurdecedor. Talvez seja mais fácil se confiarmos no que temos por dentro. Mas no fim o que há é uma cambada de verbos infinitivos que não servem para absolutamente nada.
