domingo, outubro 30, 2005

A cidade submersa num sonho. Só algumas torres e pináculos de uma visão utópica sobressaíam de um oceano que tudo cobria. O sítio onde me encontrava, apesar de antigo, parecia resistir. Parecia estanque perante o mar que engoliu tudo à sua volta. Lembro-me de olhar por uma janela e ver uma imensidão azul lá fora. Lembro-me de tocar nessa janela e ter medo que ela se partisse. Depois acordei.

quinta-feira, outubro 27, 2005

Emaranhado, como um novelo de fios de lã, emaranhado, mas por entre o caos ordenado há uma ordem, senão não se emaranhava mais quanto mais ele puxava . Emaranhado, e a mente desperta a meio da manhã, apesar de ter adormecido há apenas horas, desperta de um sonho estranho em que ela ainda lá estava, em que apesar de tudo se ter passado há anos-luz ela ainda persistia, ainda provocava o seu ciúme e, talvez porque fosse obrigada, beijava com um sorriso alguém à frente dele, à distância de ele lhe tocar. Ultimamente os sonhos esfumavam-se-lhe, ficavam apenas os momentos eternos, que lhe latejavam no cérebro e nos olhos pesados de tanto se revirarem às escuras, mas aquele eco, a dor, essa ficou lá, a persistir, conseguia reproduzir o momento como se estivesse a olhá-lo de imediato, e por mais que tentasse não conseguia apagá-lo. Acordou a meio da manhã com frio e olhou pela janela. As nuvens cavalgavam o céu a velocidades estonteantes como num sonho cinematográfico. Ela ali estava, por entre as gotas da chuva no vidro e as árvores em fúria. Adormeceu. Era ela de novo. Pensara antes de se deitar que não seria possível ser ela de novo, mas ali estava, e agora pedia-lhe desculpa. Ele condescendia. Porque, por mais grotescas, as imagens do subconsciente não passam de sonhos. Mas o que mais lhe doía era a perspectiva de um destino tão trocista e esmagador que um dia lhe desse essa imagem na realidade.

quarta-feira, outubro 19, 2005

Cala-te, disse ele à raiva que lhe crescia dentro, Pára já disse, vai-te embora, não preciso de ti, mas a raiva não lhe saía, ela estava ali com ele, e pouco a pouco instalou-se, a cada movimento de rejeição ela se instalava cada vez mais, lhe passava a mão pela face, lhe acariciava o estômago, e o beijava ao de leve os olhos. E não só se entranhava como chamava com ela as suas congéneres. Aos poucos a solidão, a angústia, o desgosto e até a saudade (a pior, a saudade de coisas que nem sequer tinham acontecido) se aproximavam. E parou de se mexer. E ao parar de se mexer deixou de fazer muito mais coisas. Lentamente deixou de sonhar, depois de andar depressa, de saborear as refeições, de chorar com os filmes, de rir, de sorrir e finalmente, entre o mais fundo dos breus, o seu coração deixou de bater. Porque elas estavam ali com ele. Quanto mais se sacudia mais elas o envolviam e o fitavam. Quanto mais pensava noutras coisas mais elas lhe sussuravam ao ouvido. Quanto mais tudo deixava de fazer sentido mais aquele se adivinhava o seu próprio sentido. Quanto mais fugia, mais elas o agarravam e cobriam de um manto negro. Afinal de contas eram a sua única companhia. Tornou-se um bloco de gelo eterno, e se dantes esperava que um raio de sol viesse ter com ele, agora já não queria saber. Era tudo igual e desprovido de sentido naquele caldo morno e quotidiano. E porque nunca nada fez sentido, e porque se vive todos os dias num paradoxo, e porque é tudo feito da mesma textura aqui ou no alto da montanha do hemisfério oposto, e porque tudo vive de um suposto "acaso" ou de um suposto "destino" que se torna cada vez mais idioticamente previsível a cada passo, o amor é um conceito que lhe dá vontade de rir.


segunda-feira, outubro 10, 2005

Um homem surge do horizonte. Apenas se percebe a sua silhueta. Usa um fato, um chapéu e um guarda-chuva aberto. O dia é de sol. Mas nunca se sabe quando pode chover. Os que passam ao pé dele pensarão que é mais um estranho ser , daqueles que só a cidade pode desvendar. Mas ninguém sabe que ele é feito de tinta, e que fugiu um dia do seu quadro porque, quem sabe, o mundo à sua volta teria tanto para lhe dar...

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O Homem do Chapéu de Chuva

coming soon...

sábado, outubro 01, 2005

Difícil, este percurso a sós, rodeado de mil e quinhentas estrelas mas sem tocar nenhuma, repleto de dúvidas, questões e pressões de eu para eu, como um estranho ser que se movimenta em círculos, de novo, de novo, de novo... desesperadamente, tenta-se criar novos caminhos, novas portas, de modo a que se siga sempre em frente. Porque atrás de nós está um manto de gelo, cada vez maior, cada vez mais frio... Torno-me outro. Vejo-me de há uns tempos para cá e não sou o mesmo. Forço-me a uma imagem lúcida e fria que abominava há tão pouco tempo, e que agora é a minha protecção. O meu corpo de gelo deixou de pulsar, e, visivelmente, enfraquece, suspira a falta de algo que para ele é abstracto. Talvez porque depois de se esbarrar contra a parede pela infinita vez, começamos a colocar questões sobre se vale a pena sentir o que quer que seja (talvez doa menos se fingirmos que a dor não está lá).

Gostava de sorrir um daqueles sorrisos que não têm razão de ser, aqueles que realmente importam, que dizem que há coisas que ainda valem a pena... Gostava de sair da tónica geral em que o mundo nos coloca, quebrar a barreira, saltar. Mas o desejo já não existe. Morreu de tão inútil.

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