domingo, outubro 31, 2004

- Qual o peso de uma lágrima?
- Demasiado pequeno para se medir.
- Quais os decibéis de um batimento do coração?
- Duvido que se lhes possa chamar isso.
- Quando deixas de sorrir, em quanto isso afecta a tua pulsação?
- Não me parece que haja diferença alguma.
- Ah sim? E quando amas e sentes que cada pedacinho de ti se vai desfazer?
- ...

sexta-feira, outubro 29, 2004

CENA 24 - EXT. DIA
Uma rapariga de olhos claros ergue a expressão em direcção aos céus, e tapa os ouvidos, tentando selar o ar pesado, que a oprime. Está sozinha no meio do verde e da inclinação daquele jardim, palco de emoções que agora são apenas palavras num papel. Sente-se só, entregue ao seu próprio nervosismo, às suas próprias contradições. Ao seu próprio silêncio. Inspira fundo e os seus olhos fitam a cidade à sua frente. Deita-se na relva.
- Corta.
- Faz-se outra take?
- Sim. Mas desta vez tenta mostrar apenas a ti própria que estás realmente só.

segunda-feira, outubro 25, 2004

Do opaco breu, a forma descontrolada da nuvem.
Do branco triste, a câmara lenta da gota.
Da humidade omnipresente, o trôpego movimento perpétuo.
Do tudo que é imóvel, um longínquo ribombar de trovoada.
Do vazio dos dias, a réstia de sentido derradeiro.

sábado, outubro 23, 2004

Lentamente, o pulsar rebate, como o que já não é presente e o que não é ainda futuro. Laranja, o céu abate-se, nocturno, e antevê a chuva de novo, o húmido e desconfortável peso de outono, o preço do azul dos dias. Pensa-se em como se deixou de ir aos locais de antigamente, remói-se no que mudou em todo o processo, mastiga-se um incontornável espinho, atravessado em tudo, desde a abjecta fila de trânsito do raiar, ao cansaço inútil da véspera, suja-se o brilho a cada cadência, e tenta-se polir o que nasceu envolto de cinza. Caminha-se, permanentemente, nunca se pára. Todo o latejar é percurso, do bocejo ao abraço, dos olhos caídos às maçãs do rosto doridas. Mas permanece-se, constantemente, duvidosamente, agarrado aos pedaços que outrora se intrincaram. De outra forma, seria a vida não mais do que um imenso gorgolejar de formas abstractas...

segunda-feira, outubro 18, 2004



If you get close to her, kiss her once for me
I always have respected her for busting out and gettin’ free
Oh, whatever makes her happy, I won’t stand in the way
Though the bitter taste still lingers on from the night I tried to make her stay.
I see a lot of people as I make the rounds
And I hear her name here and there as I go from town to town
And I’ve never gotten used to it, I’ve just learned to turn it off
Either I’m too sensitive or else I’m gettin’ soft.
Sundown, yellow moon, I replay the past
I know every scene by heart, they all went by so fast
If she’s passin’ back this way, I’m not that hard to find
Tell her she can look me up if she’s got the time.

quinta-feira, outubro 14, 2004

O relógio marcava 23:23, como já era habitual. Gostava de associar o evento regular com uma qualquer conjunção,dotada de significado. Mas provavelmente era só um acaso, como tudo o resto. Vislumbrou a carta que pousava no tablier, e recostou-se. Contemplou a cidade adormecida na sua pulsante e contínua condolência, e releu na memória as linhas:

É a última vez que avanço para tentar alinhavar explicações, diálogos, o que quer que seja. Já dei o braço a torcer muitas vezes. Não gosto de fazer inimigos ou guardar rancores, e sabes bem que fiz tudo ao meu alcance para que isso não acontecesse. Mas passaste das marcas. Não imaginei que chegássemos a este ponto, no entanto há sempre de haver realidades que ultrapassem as piores ficções. Custa-me crer que ouvi as palavras que tão tristemente me dedicaste. Ainda custa mais saber que eram meros exageros, mentiras, tristes farrapos de algo maior que desconheço, aplicados sob a capa de um pretexto inútil. Não tinha direito a ouvi-las, e tu sabes. Mas fica a saber que não me quebro como dantes. Se o tempo me fez alguma coisa, foi erguer a carapaça. Nisso ensinaste-me bem. Por isso até tenho orgulho em dizer que a minha revolta é maior que a minha tristeza. Quem sabe um dia isto passe, mas a ferida desta vez abriu bem fundo, e tão cedo não sara. Assim é. Neste momento apenas me revoltas, não me interessam explicações. A situação, de tão impossivelmente inexplicável, descartou à partida qualquer solução do género. Procuraste sempre que eu chegasse a este ponto, por isso parabéns. Não fazes sentido, e, mesmo que eu próprio tenha tentado sempre negar essa tua faceta, tu pareces querer impô-la. O absurdo das tuas atitudes banham-te o quotidiano. É a tua opção. Resta-me esperar que a ferida sare, mas neste momento não a sinto, não me dói, é um assunto adiado, ignorado. Como tanta coisa na vida, não é? Sabes bem que dificilmente chego a este ponto com as pessoas, por isso acho que sim, deves fazer mais um risco na parede, porque conseguiste despertar em mim mais outra coisa que julgava que não ia acontecer. Um conselho: tem cuidado. Porque eu aguentei tanta coisa pela vida fora que os teus actos não têm sequer a força para me magoar, mas a outros pode acontecer bem pior. Fica a mudez derradeira, absoluta e sepulcral, a estupidez reinante que tanto tempo ameaçou alagar o horizonte. Escolha tua, apenas. Uma obra por ti assinada. Está fora das minhas mãos o que quer que seja, como aliás sempre esteve. Eu não tenho já a força de remar contra a maré e continuar a levar com ondas cada vez maiores e cada vez mais absurdas.

E fechou os olhos, entregue ao baque solitário da escuridão. Era real.

segunda-feira, outubro 11, 2004

RED (V.O.)
I have no idea to this day what
them two Italian ladies were
singin' about. Truth is, I don't
want to know. Some things are best
left unsaid. I like to think they
were singin' about something so
beautiful it can't be expressed in
words, and makes your heart ache
because of it. I tell you, those voices soared.
Higher and farther than anybody in
a gray place dares to dream. It was
like some beautiful bird flapped
into our drab little cage and made
these walls dissolve away...

domingo, outubro 10, 2004


Posted by Hello

Limito-me a transmitir umas das imagens mais elucidativas dos dias de hoje...


- Preferes ser sincero?
- Prefiro ficar aqui, à chuva.
- Mas o que é que isso quer dizer?
- Que não me preocupo.
- Anda para dentro, ainda te constipas.
- Faço isto há muito tempo e nunca me constipei.
- Desde quando é que fazes isto?
- Desde o início.
- Está frio. É tarde...
- Acredita, já deixou de ser.

domingo, outubro 03, 2004



Estacava, permanentemente, no ninho solitário do seu quarto. Deixava-se ficar ali, fixamente a contemplar a luz azul do luar. Rodeava-se de escuridão, permanentemente, num contínuo teste às suas próprias capacidades. Era um teste, afinal. Até quando aguentar a solidão? Mas levantou-se da cadeira. Mas caminhou para a porta. Mas nessa noite o relógio deixou de lhe dizer que altura seria a mais apropriada para se sentir livre. Mas pé ante pé, a passos largos, decidiu andar. Mas andou, correu, debaixo de uma chuva torrencial que só ele sentia, que só a ele encharcava. O rio acolheu-o no seu regaço, quando horas depois ele finalmente lá chegou. Mas não era o fim. Mas o seu corpo ainda havia de mergulhar. Não foi o seu último dia. Viveu durante anos. E durante todo esse tempo pensou nas pessoas que durante a vida inteira nunca conseguiram dizer "mas".

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