No mundo em que vivo, as sensações deixaram de existir. Compram-se. O amor, o arrepio, o nervosismo, a adrenalina e o medo deram lugar a locais desprovidos de calor humano. As planícies que outrora foram castelos de areia, pontes de nuvens, tornaram-se colossos de aço. O vidro reflecte em lugar da mente humana. Não há mais equipas no mundo em que vivo. Sou mais um. Apesar de tudo o que me irrita e mói, sou apenas mais um. As relações humanas são memórias de alguns e o presente invisível de quem já não se recorda. Acordo numa cápsula, e visto-me sem mexer um músculo. É tudo automático no lugar onde vivo. Saio, e a casa (estranho pretexto para uma) tranca-se a um comando da minha voz. São as últimas palavras que profiro enquanto é dia, e as outras, as outras não sei quais são. Dirijo-me ao emprego, encostado aos milhares de pessoas naquela ponte aérea, e demoro cinco minutos a atravessar a cidade. Sou só mais um. Passo o dia de pé, rodeado de números que tenho de pôr em ordem. Volta e meia o meu olhar desvia-se da miríade de algarismos, e repara nas fotos, projectadas num pequeno ecrã que pendurei de lado no meu cubículo, fotos que vão mudando e mostram as pessoas com quem me cruzei e que já não conheço. Há espaço para as memórias, mesmo quando me tentam roubá-las. As horas passam, uma série de de cilindros massajam-me as pernas antes de sair. Só para poder andar e não sentir o peso do meu próprio dia. Não falo, nem quando sou quase trespassado por uma comprida limusine que fura a multidão a uma velocidade estonteante. O dia começa agora. No mundo em que vivo, a televisão passou de absoluta a obsoleta sem ninguém ter notado. Sento-me na poltrona, repouso no quarto silencioso e rodeiam-me, um por um, uma série de aparelhos minúsculos que emitem sons de referência. Fecho os olhos e duas lentes que a eles se pespegam emitem imagens de teste. O dia começa agora.
Abro de novo os olhos. À volta vejo a imponência sem fim de uma cordilheira. Estou só, num cume de neve. Atiro-me ao vazio, sobre os meus esquis e acelero, sem medo. O medo não entra nesta parte. Cruzo-me com árvores que assobiam à minha passagem. Salto a uma altura de vários metros quando cruzo a mais pequena lomba. Cada vez mais rápido. Um lanço da montanha termina, e mergulho no abismo. Um gigantesco número 2 surge, acompanhado por um som do tamanho das montanhas. Agora é mais difícil. Acelero ainda mais. Agora a montanha é mais a pique. Há mais árvores, e esquivo-me à justa para não embater de frente contra elas. Estou a ficar mais ágil, mas o medo agora já é real. Vôo entre rochas afiadas, e sinto um aperto no estômago. Quase tropeço num tronco atravessado no meu caminho. Saltei mesmo à justa. Ao fundo, o algarismo está a ficar cada vez maior. Atravesso o limiar da velocidade. Bónus de tempo. Nível 3. Uma fábrica abandonada, coberta de neve. Esquio dentro de um edifício antigo. Páro, sem mexer um músculo. Uma voz ri-se e ribomba pela divisão. A fábrica acorda de súbito. Explosões cercam-me. Desvio-me por pouco de pilares que se desmoronam. Olho para trás. Um gigante escuro de olhos vermelhos tenta-me apanhar, mas eu vou ser mais rápido do que ele. Eu vou conseguir lá chegar. Há uma luz lá ao fundo. Não noto, porém a parede que se atravessa sem eu ver. Game Over.
Adormeço. Antes de fechar os olhos, penso se esta não-vida de um sentir simulado e de visões vácuas do que é realmente um sentimento se pode designar de vida... mas é uma questão que já não pertence ao meu mundo.
Abro de novo os olhos. À volta vejo a imponência sem fim de uma cordilheira. Estou só, num cume de neve. Atiro-me ao vazio, sobre os meus esquis e acelero, sem medo. O medo não entra nesta parte. Cruzo-me com árvores que assobiam à minha passagem. Salto a uma altura de vários metros quando cruzo a mais pequena lomba. Cada vez mais rápido. Um lanço da montanha termina, e mergulho no abismo. Um gigantesco número 2 surge, acompanhado por um som do tamanho das montanhas. Agora é mais difícil. Acelero ainda mais. Agora a montanha é mais a pique. Há mais árvores, e esquivo-me à justa para não embater de frente contra elas. Estou a ficar mais ágil, mas o medo agora já é real. Vôo entre rochas afiadas, e sinto um aperto no estômago. Quase tropeço num tronco atravessado no meu caminho. Saltei mesmo à justa. Ao fundo, o algarismo está a ficar cada vez maior. Atravesso o limiar da velocidade. Bónus de tempo. Nível 3. Uma fábrica abandonada, coberta de neve. Esquio dentro de um edifício antigo. Páro, sem mexer um músculo. Uma voz ri-se e ribomba pela divisão. A fábrica acorda de súbito. Explosões cercam-me. Desvio-me por pouco de pilares que se desmoronam. Olho para trás. Um gigante escuro de olhos vermelhos tenta-me apanhar, mas eu vou ser mais rápido do que ele. Eu vou conseguir lá chegar. Há uma luz lá ao fundo. Não noto, porém a parede que se atravessa sem eu ver. Game Over.
Adormeço. Antes de fechar os olhos, penso se esta não-vida de um sentir simulado e de visões vácuas do que é realmente um sentimento se pode designar de vida... mas é uma questão que já não pertence ao meu mundo.