Ela fica na escuridão. Eu levanto-me, subo a escadas, fecho a porta à chave atrás de mim e sento-me sobre as telhas. Contemplo as estrelas, está quase na hora. Não se ouve mais nada. Talvez o mar lá bem ao fundo. Há muita coisa que se consegue ouvir daqui, e que na verdade não está lá. Permaneço, deitado. Uma por uma, elas começam a tocar. Repetem o seu padrão, milenar, indivisível, que me levanta do chão e me faz querer tocá-las. Escorrego lentamente até ao beiral e as minhas pernas pendem sobre o abismo. Não me mexo. Deixo-me cair. Quando finalmente flutuo no ar, deixo o vento decidir. Sou levado por continentes sem nunca tocar o chão, passo em frente a janelas várias, cada uma com uma história, sobrevoo florestas e oceanos, continuo e finalmente toco o chão sobre um local de festa em que a música é da cor do desejo, em que os corpos se movem em câmara lenta. Já estive aqui, penso eu, a amálgama de pensamentos esfarrapados prega-me outra partida, e só penso em lábios que sorriem, que esquecem o contexto, sorriem apenas. E então tudo se cala. Fico suspenso em gelo, sem propósito, sem raciocínio. Ao meu lado, como companhia na travessia dos mil desertos que me rodeiam, uma estupidez monstruosa, aquela sobre a qual assenta tudo aquilo que me guia. Só eu e ela, respirando, tomando-me nos seus braços, a tentar fazer-me esquecer que não há razões, não há motivos, há uma idiota e doentia casca que se encarquilha, quando por dentro há salões limpos e decorados para celebrações que nunca virão. De novo o mundo a andar a espaços para trás e para diante, a verdade que tudo destrói a repetir-se, mesmo quando se sabe que isso seria impossível. Deixei de querer perceber. O que importa é aquilo que sou no preciso momento em que tudo rodopia, tudo fica branco. Em que o pulsar se apaga, se perde, se definha. Em menos de uma fracção de segundo, lembro-me de tudo o que se prepara para deixar de existir. Talvez, se eu não desistir, essas coisas continuem. Luto. Os pés e as mãos apertam-se com uma força que não é a minha. Que ironia, penso eu, vou-me afogar em mim mesmo no meio do deserto. Talvez, se eu

Foto de Claire Lunar

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