Manhã em câmara lenta, a mente a rebobinar sem sucesso a melhor parte de um sonho que lhe escapou das mãos na pior altura. Ergue-se do chão onde passou a noite e espreita pela janela. Vê-se a si próprio na varanda, espreguiçando-se lentamente, pouco a pouco a deixar o dia entrar. Perde os olhos na estrada lá em baixo, onde caminha em silêncio. Ainda não emitiu um som. Não é necessário. Em minutos percorre a distância que o separa da realidade, a cada passo a paisagem muda e veste-o com as cores forçadas do quotidiano. Chega cedo demais. Entra no café e esquece-se imediatamente do que pediu. Ao sentar-se sob as luzes de néon, está já noutro lugar do mundo. Procura sonhar acordado, procurar criar realidades paralelas, procura fazer da sua existência um filme que se move de trás para a frente sem no entanto cumprir regras de qualquer espécie. Deixa-se imiscuir nos sons do sítio tão calmo que inventou para ele próprio. Basta isso. Queria tanta coisa, mas isso é tão pouco. Para existir, primeiro precisa de Ser. Mas isso é tão difícil...
E, sem mais, quando a sua caneta pousa no papel que tem à frente pousado na mesa, a película pega fogo e o seu gesto imortaliza-se durante segundos para em seguida desaparecer em chamas. O público fica sem saber o final.

Foto de Maria Camomila
E, sem mais, quando a sua caneta pousa no papel que tem à frente pousado na mesa, a película pega fogo e o seu gesto imortaliza-se durante segundos para em seguida desaparecer em chamas. O público fica sem saber o final.

Foto de Maria Camomila