Grita. Abafado, sempre, permanentemente, sob as cobertas, sob até um coração frio, o grito, ameaçando destruir tudo, ameaçando sair de dentro e inundar, o grito, no limiar da loucura, no limiar de tudo o que é possível e dentro já e sempre do que é impossível, o grito, a explosão debaixo das camadas, debaixo de outros gritos, centenas de outros, todos mitigados, todos abafados, todos retidos lá dentro, aos pulos desde tempos imemoriais, a ferirem, a queimarem, aos poucos, aos poucos, pé ante pé, grão a grão, o grito, e a explosão que nele corre, e o mundo que já era nulo a ruir de novo, tudo o que já tinha chegado ao zero a acabar ainda, e a gritar, a arder, a fustigar por dentro, sempre por dentro, em loop contínuo, em permanência o mesmo disco riscado, e aquela carapaça que resiste, e aquele sorriso que (não pode ser) ainda subsiste. Apesar de ser um espectro, apesar de se sentir como um fantasma, apesar de ser nulo e de sabê-l0, apesar de nunca ninguém o ter ouvido antes, grita.
