Desejo? É escrever quando não se sabe o que se escreve, é sentar-se na mesma cadeira e contemplar o mesmo horizonte, obtendo sempre a mesma resposta. É sair para a rua e chorar sob o sol abrasador, que aquece almas a metros de distância mas que apenas servem para gelar ainda mais o que vai por dentro. É olhar para o chão, ver o caminho percorrido, ver o que passou, o que não volta, e constatar o paralelo, o espelho (quão igual era aquele tempo que se insiste em rebobinar). Desejo é acordar e pensar o que se vai fazer para não se perder de novo mais um dia, lutar contra a prisão do casulo e perceber que o casulo já se transformou na nossa pele. É lutar contra as luas e contra as ondas e contra as labaredas e contra a estupidez e fazer disso algo de positivo. É esquecer tudo e partir para longe numa nuvem, é fechar os olhos e imaginar-se outro lugar, é ouvir uma canção suspirar-nos aos ouvidos palavras de amor e ser isso o que se tem mais próximo de uma confissão. É encarcerarmo-nos em vida, e suspirar porque aqueles ali ao fundo já não pensam nisso. É ter a noção de que se deseja, mas não o coração. É desejar coisa alguma, é apenas fingir que se deseja, é reinventar a nossa (sobre) vivência, é não saber se o passo que se dá a seguir é o do buraco, é um tactear suicida entre montanhas de espinhos, é ver a simplicidade do que nos rodeia e desejar ser-se mais simples. É fartar do mesmo registo, é não ter a força de fazer o que quer que seja, é tornar-se no que mais se abomina, e por fim explodir sem som, em pedaços microscópicos, adiando sem fim o dia em que se volta a juntar os fragmentos, em que se volta a colar a já gasta escultura. É reconstruir-se em lógicas, em razões, em pensamentos, em páginas de palavras rabiscadas que não querem dizer coisa nenhuma. É viver, é continuar, é perder, é sorrir palidamente, é agitar freneticamente o coração para lhe imprimir uma vida artificial, é esbugalhar os olhos perante o absurdo. É não esperar o que se vai desesperando.
