
É da textura das ilusões, o material que forma aquele homem além, que segue lentamente pela rua. Move-se sem som, em câmara lenta, e passaria despercebido mesmo no meio de um campo de margaridas. Podia ser qualquer um. Os seus olhos deambulam pelas coisas triviais. Mas a sua alma retém apenas um par de olhos. Viaja de carro, através de uma cidade adormecida pelo tempo, iluminada de forma intermitente. Um sorriso tímido e esbatido coloca-se à frente de tudo o que vê. O seu refúgio encontra-o já tarde. Senta-se no local do costume, e liga o computador. Letras e números transformam-se no seu sustento, no seu sentido. Do outro lado do ecrã, ela espera-o. Pergunta-lhe porque é que ele demorou tanto tempo, e a resposta vem sem uma única palavra. E, depois de tanto tempo de inquietude, acaba por relaxar. Ele chegou. Estica os braços sobre o divã, e observa as suas mãos maquinais tocando nas teclas, desenhando a sua existência, o seu mundo, os seus cabelos, as suas roupas. Observa como ele lhe oferece desgostos para em seguida apagar tudo e transformá-los em alegrias. Mas ele e só ele quem lhe dá vida. Passam-se horas. Os traços tão finos que a desenhavam tornam-se um pouco mais nítidos. Despede-se dele com um beijo silencioso. Ele não sorri sequer. Fica triste por não lhe poder falar, por ser apenas personagem de um pequeno esboço, feito de palavras soltas. Gostava de estar ali, naquele mundo onde ele vive, onde tudo é tão real, tão palpável. Gostava de poder tocar nas coisas que para ele são tão comuns, tão triviais. Mas sabe que tem de ser paciente. Ele agora dorme. Quem sabe amanhã ele crie de novo para ela um mundo assim, onde ela possa viver para sempre...