Acordo, rodeado de um estertor irónico a esvoaçar sobre o espelho da minha mente. Atrás de mim, os pensamentos, que descarto num rasgo de absurdo, riem-se do eu que aparece no outro lado dos sonhos.
Pairo outrora, sorrindo ao primeiro raio de luz do sol que me fita. Em mim, o vazio devastador de um peito em busca da sua outra metade, o quotidiano de eu próprio, perscrutando os pequenos surrealismos da vida, que me ferem mesmo quando não os quero ver. E uma luz sobre a minha janela, uma imagem sem matéria, impossível de ver no todo, apenas ao pormenor. E eu voo em direcção a ela, e procuro no seu coração um sentido no dourado céu de chumbo que me rodeia, mesmo quando sou o único que o vejo. Ao meu lado, vejo-me a deixar para trás os passados que julgo deixarem-me em paz. Mas não chego a ver a parede em que me esmigalho, e quando regresso à superfície, todos os pedaços de memória que por mim passaram, incorporam-me de novo e partem comigo em viagem.
Durante um tempo que parece uma eternidade, lambo todas as minhas feridas, e percorro a estrada branca que as meus pés, infinita, se estende. Por vezes, algumas memórias da luz que posou na minha janela, e da minha queda em direcção a uma armadilha que julgava ser a voz dos anjos.
E o sonho acaba. Mas a estrada branca continua sob os meus pés, e desta vez sinto o pó que me rodeia a entranhar-se no meu corpo. Não é um sonho. Percorro a estrada, e cada passo é dado com esforço, não com a leveza de mim próprio há alguns minutos atrás. Então, à minha frente, a luz a sorrir-me. E desta vez não me aproximo. Fico ali, a olhar para ela, procurando ver o muro que me separa do seu coração. Mas à minha frente só há luz...